APRÍGIO SANTOS
"Sócrates é um homem persistente e não é miserabilista"
A Naval 1.º de Maio completa hoje 117 anos. À sua frente, um homem concentra todas as atenções. Mas Aprígio Santos é muito mais do que um dirigente desportivo.
P - Por que tem a Naval tão reduzida implantação na Figueira da Foz?
Isso não acontece só com a Naval. Mas aqui é mais gritante. Aconteceu em 1997 o que se sabe, que foi o clube perder todo o seu património e toda a sua história. Depois, se calhar dediquei-me mais ao futebol do que às instalações. E hoje o estádio não tem as melhores condições e o resultado é que a cidade não tem a Naval nem a Naval tem a cidade.
P - A culpa é da política e dos políticos?
Há uma razão talvez histórica, que leva a que a cidade sempre tenha assumido um certo revanchismo perante a Naval, dada a forma como o clube nasceu. E isso reflectiu-se ao longo dos anos e, designadamente, com a não renovação da sede, depois do incêndio. É verdade que é um marco negativo na minha gerência, que ainda se torna mais negativo por não se ter reerguido.
P - Porquê?
Eu sempre assumi que, após aquela fatalidade, a Naval não mais teria instalações separadas. Ou seja, tinha de ter um espaço integrado, que incluísse um estádio novo e também a sede. Mas um estádio novo não implica grande intervenção da câmara. Nunca a pedi. Pedi, realmente, que nos fosse autorizado que a localização fosse dentro do núcleo urbano, entre Tavarede e a cidade. E isso nunca me foi autorizado.
P - Insisto: a decisão foi política?
Eu não diria que foi uma decisão política. Diria mais que são duas ou três pessoas, nesta cidade, que manobram e têm peso nos corredores da governação local. É uma pequena elite…
P - Há um certo desdém para com quem empreende, na Figueira?
Na Figueira, como em toda a região. Aqui nota-se mais, porque é uma terra pequena, que teve os seus momentos áureos, que foi perdendo, precisamente porque essas pessoas não entenderam como mudou o país e o mundo. E o resultado foi isto: temos um bairro novo que está deserto, por políticas mal concebidas há 15/20 anos, por quem não deixou outros tomar as rédeas da expansão do concelho.
P - É um fatalismo da região Centro?
A região Centro vive, toda ela, do mal de ter perdido a oportunidade de deixar passar a grande época de chamar pessoas e atrair investimento. Os seus políticos não tiveram engenho e arte para chamar quem assume riscos todos os dias. Não sei se o fizeram por mal, mas o facto é que fizeram mal. Mas, enfim, eu também não posso passar a vida a lamentar-me, ou a apontar o dedo a isto ou àquele.
P - Bom, há sempre o seu ódio de estimação a Pedro Santana Lopes…
O Santana Lopes prejudicou-me flagrantemente na minha vida pessoal e de empresário, mas não à Naval. É evidente que a SAD poderia ter sido feita, na altura, mas o meu carácter é como é, não muda porque os dias estão de sol ou de chuva, e, hoje, fico sem saber se fiz bem ou mal. Mas a verdade é que, noutro plano, o processo da chamada Zona Industrial ainda hoje está por resolver. E, apesar de muita gente ter dito que fiz um grande negócio, que fiquei rico, a verdade é que os mesmos que o disseram são os que hoje ali estão instalados em terrenos comprados a mil escudos o metro. E são também os mesmos que fizeram ou autorizaram obras que nunca ali deveriam ter sido feitas…
P - Como assim?
Sim, veja que num terreno que, como toda a gente sabe, é arenoso, foi feita uma obra, que custou à câmara uns 400 mil contos (ou dois milhões de euros), com a instalação de caleiras para escoamento de águas pluviais, quando toda a gente também sabe que a água cai e desaparece imediatamente no terreno.
P - Voltando a Santana Lopes…
Ao travar o que tinha programado para a zona industrial, a vida andou para trás 10 anos. E uma década de estagnação na vida de uma cidade é uma eternidade. Ora, como compreende, tudo isso me magoou. Mas, enfim, eu sou um homem de rasgo, não sou de tratar do quintal, mas sim da quita. E a verdade é que, para a zona industrial, houve empresas de ponta, no início da era da inovação, que estavam programadas para ali se instalarem que se foram embora.
P - Sente-se na Figueira mais empresário ou dirigente desportivo?
Sinto-me como alguém que gostou muito da Figueira, e que ainda gosta, mas menos, depois do muito que me fizeram. Quanto ao futebol, disse sempre que precisava de aparecer mais alguém. Mas nunca apareceu. E eu seria sempre mal compreendido se saísse e, depois, deixasse que a Naval fosse por aí abaixo. Para além disso, quis sempre ficar até concluir, ou pelo menos deixar bem encaminhadas, as obras por que sempre me bati. Mas tenho de dizer que, a partir do momento em que decidi ser um promotor imobiliário a sério, tornou-se claro que não poderia fazer o que fiz apenas na Figueira.
P - Entretanto, profissionalizou-se como promotor imobiliário a sério...
Pois, e aí tornou-se claro que não poderia fazer o que fiz apenas na Figueira. Por isso, as minhas empresas estão hoje em Gaia, em Lisboa, no Algarve e, aos poucos, no estrangeiro. E, depois de constituir, há cinco anos, um fundo fechado, devidamente aprovado pela CMVM, estou agora a avançar para levar a SGPS da Imoholding para um país lusófono. Enfim, talvez pudesse ter feito um pouco mais, aqui. Mas já não tenho tempo para passar os dias nos corredores da autarquia…
P - Também quis investir em Coimbra e teve de esperar…
Vejamos, eu decidi investir em Coimbra há cerca de 10 anos. Quis fazer um parque industrial e comercial, num terreno em que, para juntar 45 hectares, tive de fazer 210 escrituras. Na altura, ainda era presidente da câmara o dr. Manuel Machado e houve uma deliberação que reconhece o benefício para o concelho. Depois, por isto ou por aquilo, parou e só agora, segundo li no jornal, foi aprovado. É bom, mas é um pouco tarde, até porque, na altura, tinha comigo investidores estrangeiros de monta que, entretanto, se viraram para outros lados. No fundo, o problema é sempre o mesmo e os autarcas têm de perceber que, na maior parte das ocasiões, o momento é aquele e não pode ser outro.
P - Hoje, o que pode ser feito ali no terreno de Trouxemil/Vilela?
A minha expectativa é a de fazer o que puder. Se efectivamente for desafiado pela cidade de Coimbra a fazer algo, naquele espaço, penso que aceitarei, com gosto, no sentido de fazer algo diferente, com investidores diferentes – que, hoje, serão muito menos do que há 10 ou mesmo há cinco anos.
P - Quando saiu da Figueira foi para Gaia. Ainda mantém boas relações com Luís Filipe Menezes?
É verdade que fui para Gaia, onde fiz muita coisa e onde conheci um homem que, não querendo desfazer noutros, é um caso sério de autarca, que soube pegar numa cidade de 350 mil pessoas, que não tinha nada e que vivia na dependência do Porto, e transformá-la num modelo de organização, de bom urbanismo.
P - O caso BPN foi um abalo telúrico, na sua vida?
A ligação que eu tinha ao BPN era sã e centrada numa pessoa de que eu gosto -, não é gostava, é gosto – e em quem acreditei , sempre, como accionista desde a primeira hora. É evidente que há ali muita coisa ainda por explicar, mas a relação que havia entre mim e a administração permitia que fossem feitos alguns negócios que acabaram por deixar-me agarrado. Mas, felizmente, alguns já estão resolvidos e os outros hão-de resolver-se. Quando as pessoas são sensatas e não há mais nada para além de negócios…
P - Tudo isso acabou por descambar…
Parece que sim, e não sei muito bem porquê, nem quando.
P - Foi chamado à PJ, por causa do BPN?
Não. Nem sequer como testemunha.
P - Portugal é um país condenado?
Nós todos, portugueses, temos a tendência de assobiar para o lado e de pensar que o que acontece ao vizinho nunca nos há-de tocar a nós. Mas a verdade é que estamos todos no mesmo barco e só espero que esta crise terrível seja capaz de nos fazer unir e dar as mãos, porque o momento não é para outra coisa. Eu penso que há, no país, um laxismo que leva a que, por exemplo, uns trabalham 15 e 16 horas por dia enquanto outros fazem tudo por nem sequer trabalhar oito. Ora isto não pode continuar. É preciso que todos trabalhem mais e melhor. E, como acontece nas empresas, é também fundamental que o Estado nunca perca as rédeas.
P - Porque é que gosta de José Sócrates?
Gosto? É verdade. É um homem persistente, transmite energia e não é miserabilista e isso eu gosto. Penso mesmo que, na nossa democracia, nunca houve um homem que quisesse mudar o que ele quis. E isso foi também o seu azar, porque, em Portugal, quem se mete com interesses instalados arrisca-se… Mas, enfim, vejo que ele quis acabar o que o Guterres já tinha começado, que foi internacionalizar a nossa economia, sobretudo para os países de língua portuguesa.
P - Por contra, gosta pouco de Cavaco Silva
O que sucedeu foi que nós recebemos vagões de dinheiro, no seu tempo, e nem todo foi muito bem aplicado. Nós fizemos muito betão e tratámos pouco das mentes. O resultado é que há muita falta de preparação nos nossos operários e nos nossos empresários. E isso inclui-me também a mim. Não se conseguiu prever que a globalização estava à porta e, por isso, não se conseguiu, por exemplo, que uma senhora que pregava fechos numas calças tinha de aprender a fazer outras coisas. Por outro lado, não se percebeu que Portugal precisava de portugueses e não se apostou no apoio às famílias, para promover a natalidade.
P - Ainda é do CDS?
Fui, de facto, militante do CDS até há três anos. Quando cheguei de França, em 1974, conheci o Adelino Amaro da Costa e logo gostei dele como pessoa e como pensador das coisas sociais. Sabe, ainda hoje a esquerda pensa que é dona da dimensão social da política, mas isso é mentira. A democracia cristã sempre teve uma vertente social, mas nunca lhe deram relevo. Mas, enfim, eu não sou de bandeiras políticas, mas sim do homem que está à frente.
P - Que espera do executivo de João Ataíde, na Figueira da Foz?
Espero que o dr. João Ataíde faça diferente. Sei que não é fácil, mas com tanta coisa por fazer, se ele estiver bem rodeado certamente que pode fazer coisas.
P - Considera que está bem rodeado?
Conheço mal. Sei que tem lá um homem, no urbanismo, que conheço há muito tempo, mas com quem ainda nem falei. O que eu tenho, aqui na Figueira, é pouco. O centro comercial, que foi um erro total não ter avançado, à época, pois fecharam-se portas e os investimentos que tinham sentido, na altura, desviaram-se para outros lados…. Sabe, nem sempre as auto-estradas são o melhor; muitas vezes levam mais do que trazem. E estancar isso é um dos grandes desafios do presidente da câmara.
P - Ele já diz que é preciso voltar a começar do zero para a revisão do PDM…
Disse? Olhe, nem sabia disso, mas não me admira. Veja que eles andam a tratar disso, se não me engano, há cinco anos. Quem é o investidor que resiste a tanto atraso? É que as cidades não crescem com os prédios, mas sim com as pessoas e a Figueira tem falta de pessoas. Outra coisa: numa cidade de turismo, há 30 anos que não se fazia uma cama e só agora, goste-se ou não, se está- a fazer algo. Mas, enfim, nos últimos anos, fizeram-se muitos planos de pormenor, em Portugal. E, nuns sítios duram cinco e seis anos, mas noutros mal passam de um ano…
P - É verdade que a sua relação com Nuno Maurício se esfriou
(silêncio) É. Mas penso que não vem agora ao caso, pois não tem nada a ver com a Figueira da Foz. O facto de ele ter escolhido a pessoa que escolheu não me aquenta nem me arrefenta. Sabe, eu gosto dos meus amigos, de conviver, de estar à mesa com pessoas, mas não sou homem de vinganças. Zero. Sou de olhar para a frente. Devo à história da minha família, dos meus pais, duma avó que tive, ensinamentos de sacrifícios, de algum sofrimento, mesmo, para poder chegar onde cheguei. (continua...)
Fonte: Diário As Beiras
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