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Entrevista de Steve Thicot ao Mais Futebol


Capitão de uma geração de ouro do futebol francês que incluía Benzema, Nasri, Menez ou Ben Arfa, o central quer reerguer-se aos 25 anos a partir da Naval.


O nome soa a América do Sul, e, vistas as coisas, cumpre bem a função para que foi adotado. «É para manter o anonimato», explica Tikito ao Maisfutebol, sem perder o tom sério. Aposta ganha. Na Figueira da Foz, ainda são muitos os que não fazem ideia de quem se esconde atrás daquele ar impenetrável. Por vezes, até os colegas duvidam dele 

A discrição tem sido a imagem de marca do central de 25 anos, chegado a um patamar em que a preza como a um bem precioso. O passado ensinou-o a ser assim. Já lá iremos. Por agora, concentremo-nos no presente em que procura distanciar-se cada vez mais da incompreensão, dos acidentes de percurso, da simples maldade humana. 

Na Naval encontrou, por fim, um porto de abrigo. «Vivo numa cidade calma, dá para trabalhar com tranquilidade e concentrar-me no meu objetivo. Faço uma vida de treinos, casa, jogos, casa e algum passeio de vez em quando», descreve.

Cauteloso, desconfiado até - o Maisfutebol precisou de quatro meses para finalmente lhe fazer esta entrevista - , Tikito não quer dar mais passos em falso. Leva 28 jogos completos com a época a meio. Uma parte do plano está concretizada, falta o resto. 



Um pronúncio de glória aos 17 anos

O disfarce, insistimos, colou na perfeição. Já o testemunhamos. «Tikito?, quem?», ouvia-se ainda há pouco tempo na bancada de Imprensa do Estádio José Bento Pessoa. Mas a internet simplifica. «Ah, Steven Thicot! Agora já me diz algo...» Há coisas difíceis de ocultar. Ficam gravadas. Há registos. 

Foi tu cá, tu lá, durante anos, com Benzema, Nasri, Menez ou Ben Arfa, ergueu o troféu de campeão da Europa de sub-17 em 2004, em suma, foi das maiores promessas do futebol francês. Aos 17 anos, após um percurso imaculado no célebre centro de formação de Clairefontaine, tinha tudo para, no mínimo, chegar tão longe como os colegas.

«Formámos uma geração fantástica, ganhámos vários torneios, eramos muito bons. Julgo que só tivemos três ou quatro derrotas em quatro anos», recorda, orgulhoso de ter capitaneado essas célebres equipas. Nas meias-finais do Europeu, Thicot até enfrentou Portugal. 

«Um adversário sempre muito difícil, uma nação do futebol. Perdíamos ao intervalo [golo de Bruno Moreira, atualmente no Nacional], mas nos balneários jurámos que os íamos comer.» Dito e feito. Nasri, Menez e Ben Arfa «arrumaram-nos» em pouco mais de 10 minutos. Seguiu-se a final com a Espanha de Piqué, Fabregas, Javi Garcia e Capel. Nova vitória gaulesa.

«Foram os mais belos momentos da minha carreira», confessa aquele que era conhecido entre os jovens «bleus» como a... segurança social. «Foi o Hatem [Ben Arfa] e o Karim [Benzema] que me colocaram a alcunha. Quando fazíamos uns jogos entre nós, só tinha de lhes dar a bola, lá atrás eu resolvia.» Um prenúncio de glória.

«Estive sempre ao nível deles, só não era avançado. Quem se lembra de mim, sabe disso. Mais: se alguém que me defrontou nessa época disser que me fez o que lhe apeteceu, é mentira. A certa altura, falavam mais de mim do que dos outros. Todos os dias havia notícias de grandes clubes que me queriam: Inter, Ajax, a Juve...»

Aconselhou-se com a família, decidiu ficar, porque tinha um sonho para cumprir e acreditava piamente ter capacidades para lá chegar: assinar como profissional e estrear-se com a camisola do «seu» Nantes na Ligue 1. Não o deixaram.

O que se seguiu desafia-lhe toda e qualquer possibilidade de compreensão . Assinou por três épocas, mas, só na segunda, emprestado ao Sedan, pôde, enfim, jogar no principal escalão francês. De regresso ao clube «canarinho», agora na II Liga, voltou a não ser utilizado. Livre de contrato, saiu para o Hibernian, da Escócia. Pelo meio, teve algumas lesões, uma época sem jogar, e, finalmente, a redenção na Figueira.

É de ideias fixas. Jura que nunca mais voltará ao Nantes.

É um animal competitivo. Perfecionista. Tikito nunca está contente com aquilo que faz em campo. Mesmo quando é considerado o homem do jogo. É como um defeito... de nascença. No jardim-de-infância, quando lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande, nunca hesitava.

«Não, querido, tens de escolher outra profissão. Mas quero ser profissional de futebol», retorquia. Até que um dia, passou a ser levado a sério. «Então tens de te meter nisto a sério. Trabalhar no duro. Não haverá saídas à noite e outras coisas dos jovens da tua idade», disse-lhe o pai, antes de fazer tudo para o meter em Clairefontaine. 

«Mas esses foram os sacrifícios que fiz sempre com um sorriso nos lábios», garante. «A ânsia de acabar o fim-de-semana para poder voltar a encontrar os amigos no centro, voltar a ter a minha bola. Se há algum momento na vida ao qual gostava de regressar era este. O futebol no seu estado mais puro, pelo prazer, sem o dinheiro, as invejas, as traições ou golpes baixos.»


«Sonhávamos ser profissionais, para poder ajudar as nossas famílias. Era lindo espreitar os treinos e ver o Zizou, o Thierry Henry, o Deschamps, o Blanc, o Thuram, aquela geração que ganhou tudo... era magnífico. No centro, há um quadro de honra com os nomes de todos os que lá passaram e o nosso objetivo era termos lá o nosso», revive, com nostalgia. 


«O grande Barça, o Ajax... vinham ver-nos para fazer o mesmo nos países deles. Estávamos à frente de todos. Ganhámos tudo, mas não sei se um dia voltaremos a esse nível», lamenta. 


«O futebol é a minha vida, amo o jogo como um louco»

Como uma criança a quem roubaram o brinquedo preferido, foi assim que Thicot se sentiu quando subiu a sénior no clube do coração, o Nantes. Foram demasiadas promessas desfeitas. «Quiseram destruir-me psicologicamente. Se não fosse o apoio da minha família e de todos os que gostam de mim, não tinha aguentado.»


«O que tive de enfrentar não o desejo nem ao meu pior inimigo. Sou crente e encarei tudo isto como provas de Deus para testar a minha fé. Um dia cheguei a casa e disse para o meu pai: nunca mais! Nunca mais me deixaria chegar a um estado destes», rememora, insistindo no tom confessional: 


«Se fosse fraco, já tinha desistido há muito. O futebol não é só talento. Se querem conhecer tipos que eram melhores do que eu, levo-vos a uma visita pelo meu bairro. Há montes deles. Um rebentou o joelho, outro teve azar. Outros, ainda, não tiveram o apoio de uns pais como os meus.»


«Não é fácil. Vejam o exemplo do Jeffrén. Jogava no Barcelona com o Messi e os craques todos, fazia grandes jogos. O que faz agora? Nolito, outro bom exemplo. Fez tantos jogos e agora pouco se vê. Também é preciso ter sorte. Eu, com um empurrão, podia ser hoje jogador do Manchester.»

Mas é na Naval que vive o dia-a-dia. É uma espécie de enciclopédia do plantel. Quando há falhas de memória de alguém, é inevitável. «Pergunta ao Tikito, ele sabe tudo», afirma quem o conhece. «Também ficam incrédulos quando lhes digo que joguei com este ou aquele craque. Estás a gozar?», questionam. Para ele, no entanto, é normal.


Vê à volta de 12 jogos por semana e é porque agora anda a abrandar. «Não se pode gostar deste desporto pela metade. Tens de o amar por inteiro. E eu respiro futebol, durmo e acordo a pensar no futebol. O futebol é a minha vida, amo o jogo como um louco», garante, com uma convicção que até arrepia. 

Naval: «Greve? Vamos é treinar, malta!»

Os dias voltaram a ser soalheiros para Steven Thicot. Na Naval, encontrou a regularidade que lhe faltava. Voltou a sentir a alegria de se treinar com um plantel todos os dias e de jogar, muitas vezes. Depois de uma época sem competir, era tudo o que queira. O resto, dá-lhe pouca importância. 

«Estou num clube de II Divisão, mas sinto-me bem. Temos um grupo são, muito bom. Estou noutro país e isso dá-me um novo alento. Acredito que dei um passo atrás para dar dois em frente. Quando me ligaram, pensei metade de um dia, e meti-me num avião. Nem quis ouvir muita gente para não me deixar influenciar.»


Depois do pesadelo, alguns problemas, por sinal recorrentes no futebol português, deixaram simplesmente de fazer sentido. «Nem me falem em greve. Estive um ano sem jogar, à espera que o telefone tocasse. Foi a pior fase da minha vida. Mas aqui ao menos jogo. Se gostas do futebol, ele vai-te fazer falta. Treinar, fazer um 5 contra 5, meter um tackle...» 


«Eu respondo a isso com um sonoro: vamos é treinar, malta! Depois, não estou na casa das pessoas, não sei se têm problemas familiares, e não julgo quem toma certas decisões mais drásticas. Digo isso pelo amor ao jogo.»

Cumprida uma parte do plano que o trouxe a Portugal, Thicot começa agora a pensar na segunda metade. «O futuro? A minha prioridade é jogar e jogar bem. O resto não é comigo, mas acredito que haverá algo bom para mim se continuar a trabalhar bem na Naval. Gosto de desafios e de elevar os meus horizontes.»


Se pudesse escolher, já teria um destino de eleição. «Inglaterra. Fascina-me o ambiente, os estádios cheios, o fervor dos adeptos, os relvados excelentes. Vamos ver o que acontece. Estou grato à Naval, ao presidente, colegas e treinadores. Adorava poder ajudar o clube com uma transferência.» A seguir com atenção. 

Fonte: Mais Futebol

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